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Ministro propõe mudar fundo de pesquisa tecnológica para driblar falta de recursos

07/08/2017


O ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), Gilberto Kassab, apresentou na semana passada ao ministro do Planejamento, Dyogo de Oliveira, a proposta de transformar em fundo financeiro o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), como são o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e o Fundo Social. Na prática, segundo o MCTIC, a mudança determinaria que os recursos do fundo, quando contingenciados, não voltem para o Tesouro Nacional, mas permaneçam no fundo e rendendo juros até serem liberados em algum momento.

Na visão do ministro, a mudança serviria de alternativa fiscal para recompor o orçamento da pasta, que, em 2017, já caiu de R$ 6 bilhões para R$ 3,2 bilhões, após sucessivos contingenciamentos do governo. "Levamos a proposta ao Planejamento, à equipe econômica, e esta seria uma medida importante para a pesquisa, ciência e inovação no Brasil", afirmou o ministro ao Valor. Uma nova reunião sobre o tema entre Kassab e Dyogo está prevista para daqui a duas semanas.

Kassab já tem em mãos uma versão do da Medida Provisória que alteraria a lei 11.540, de 2007, que define o fundo, e discutiu o tema também com a Casa Civil. Marcos Cintra, presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), que é gestora do FNDCT, e principal defensor da medida, diz que a mudança corrigiria o que ele chama de "desvio de finalidade" dos recursos, que são retirados da ciência para pagamento da dívida pública ou para esforços de metas fiscais do governo. "Se isso tivesse sido feito dez anos atrás, com todos os contingenciamentos que ocorreram nesse período, o FNDCT teria um saldo acumulado de R$ 45 bilhões", afirma o presidente da Finep.

No modelo atual, em que o FNDCT funciona como um fundo contábil, os recursos contingenciados voltam para o Tesouro e não podem mais ser usados pelo MCTIC, mesmo quando descontingenciados. Ele alega que a mudança não teria impacto fiscal. "Essa proposta não tem impacto sobre a busca pelo superávit primário. Porque se o governo contingencia esses recursos ele já compõe o superávit primário (ou déficit). A única diferença é que no ano seguinte o governo não pode usar aquele dinheiro para trocar asfalto de rua, ele voltará para a ciência", diz.

Além do contingenciamento de 44% no orçamento do MCTIC, ao qual a Finep é vinculada, Cintra afirma que o governo federal contingenciou metade dos recursos do FNDCT, que é de onde a Finep tira recursos para financiar projetos. Esse valor, que já chegou a R$ 4 bilhões em anos anteriores, foi reduzido a R$ 1,2 bilhão no orçamento deste ano, mas a Finep está autorizada a executar apenas metade disso - cerca de R$ 600 milhões. "Todos nossos projetos, até convênios já assinados, estão suspensos. É por isso que tem tanto laboratório fechando", diz.

Os recursos do fundo vêm de fontes múltiplas, como a receitas de 16 fundos setoriais, além da parcela da receita das empresas beneficiárias de incentivos fiscais, direito de uso de infraestrutura e recursos naturais, entre outros.

Ele diz que a proposta tem o apoio da comunidade científica, que gostaria de blindar o fundo que, historicamente, tem perdido recursos. "Ele já foi usado para pagar o Ciência Sem Fronteiras, que não é função dele, e já foi debatido usá-lo para pagar o Fies, o que também não é sua função", diz. A escassez de recursos tem gerado a interrupção de pesquisas, fechamento de laboratórios e até incerteza sobre o pagamento aos 100 mil bolsistas do CNPq até o fim do ano.

Para o economista e pesquisador do FGV/Ibre, José Roberto Afonso, o diagnóstico é correto. "Mas não sei se mudar a natureza do fundo resolverá o problema, o FNDE da educação, tem o mesmo problema, o fundo para presídios, da polícia federal, idem", diz ele. "O FAT tem um diferencial, mas é por conta da vinculação constitucional. A única forma líquida e certa de resolver esse problema é o fundo virar uma empresa pública", conclui Afonso.

(Valor Econômico - 07/08/2017)